top of page

A Rainha da Luz, Rafaela Barkay, #10 

ESCALA

Há alguns anos, já engajada na promoção de diálogo entre israelenses e palestinos, meu voo para uma visita à região fez escala em uma capital europeia. A fim de não chegar em Israel durante a madrugada, havia arranjado de pernoitar por ali. No entanto, completamente embebida pelo desejo do encontro com aqueles com quem eu dialogava diariamente através das redes sociais, e com a mente e o coração já no Oriente Médio, esta passagem que talvez em outro momento pudesse se mostrar interessante, me soou estrangeira. Porém, ao chegar ao local em que havia reservado um quarto, me deparei com uma recepcionista trajando o hijab, o véu das muçulmanas. Sorrindo, lhe disse que me sentia muito feliz por encontrá-la ali, ao que ela respondeu com um misto de surpresa e estranhamento, afirmando que usualmente o sentimento que despertava era o medo, e me contou que na manhã seguinte partiria para uma temporada de estudos em Jerusalém. Nunca mais a vi, mas este encontro, que talvez para ela tenha sido banal, ficou registrado em mim como uma das marcas de minha trajetória.

PROMESSA

Uma das amizades que fiz foi com uma jovem turca. Em uma de nossas conversas, ela contou que o pai era originário de uma cidade palestina, cujo nome não tinha bem certeza. Parecia que era Jaffa. Mais tarde, quando foi atrás das raízes, acompanhei seu encontro com o mar e as histórias de quem havia deixado o paraíso pessoal em busca de refúgio. No caminho, o pai passara pelo Líbano e Síria, onde se casara com Fatima. Fizeram a vida na Turquia, em uma cidadezinha a uma hora de barca de Istambul, onde ele despediu-se desta vida e a família seguiu seu destino. Fatima fala árabe e turco, idiomas que não domino. Mas através da jovem filha, trocamos emoções. Este ano ela realizará o Hajj, a peregrinação a Meca, um dos pilares do Islã, e prometeu rezar por mim e pela realização dos meus sonhos naquele que lhe é o lugar mais sagrado de todos. Fazemos planos, a filha e eu, de um dia, inshallah, nos encontrarmos todas em Jerusalém.

MEDO

Quando começaram os ataques em Jerusalém, o medo cobriu as ruas como névoa espessa. Jovens de doze, treze, catorze anos, movidos pelo desespero e pela falta de perspectivas, passaram a se lançar à morte em investidas contra transeuntes. Tramavam a ação com algum primo ou irmão, e surrupiando uma faca da cozinha da mãe, partiam para o calor vermelho derramado sobre o asfalto, engrossando o número de fatalidades no enfrentamento contra jovens soldados, estes também confusos. O medo tomou conta de todos. Israelenses evitaram as ruas nos primeiros momentos, para mais tarde, em um ato de coragem, retomarem a vida. Palestinos passaram a ser interrogados à luz do dia. Todos testemunharam um ou vários episódios de violência. Shahnaz, a mãe do jovem com quem eu aprendi tudo sobre ser palestino em Jerusalém Oriental, desesperava-se cada vez que um de seus filhos, por algum motivo, se atrasava. Ela tem gritado muito, e não quer que eu saia, me contava ele. Eu podia sentir seu medo em minhas entranhas. Recentemente, em uma de nossas conversas, pude ver o seu sorriso, e ela elogiou o colorido do lenço que eu usava enfeitando a cabeça. “Rainha da Luz” ou “Orgulho do Rei” são significados possíveis para o seu nome, mas é claro, concordamos todos em adotar a versão feminista.

INSPIRAÇÃO

Em 1987 jovens palestinos iniciaram o que mais tarde ficou conhecido como a Primeira Intifada, o levante popular contra a ocupação israelense. Grupos feministas, presentes na sociedade palestina desde a entrada do século vinte, tiveram papel ativo na insurreição, e ganharam a atenção da mídia internacional. Algumas iniciativas feministas israelenses, inspiradas por estas mulheres, passaram a questionar sua própria ação. Entenderam que seus valores igualitários, inclusivos e por justiça social não estariam completos se não se engajassem na luta travada pelas irmãs com quem compartilhavam o território. A partir daí, formaram-se grupos mistos, e outros que, partindo de uma condição privilegiada, passaram a fiscalizar e denunciar maus tratos, e também aderiram a marchas pelo direito universal à vida. O coral de vozes palestinas e israelenses apresenta-se proclamando que seus filhos não foram criados para a guerra. A cada onda de violência surgem novos movimentos e a bandeira feminista se ergue anunciando, quem sabe, uma outra forma de convívio, onde aquelas que deram à luz, a sigam buscando.

youtube.com/watch?v=0v66ttbihh0&nohtml5=False

CHAMADO

Nosso encontro se deu com aparência de acaso, mas desde os primeiros contatos, a intuição dizia que nos levaria a algum lugar diferente. Kefa. A sonoridade de seu nome me lembra palavras boas do hebraico: abundância, e prazer. Temos quase a mesma idade, e aparentemente esgotam-se aí nossas semelhanças. Ela nasceu nos Estados Unidos, e vive em Jerusalém. Eu, que nasci em Jerusalém, vivo no Brasil. Ela muçulmana, eu judia. Ela fez cinco filhos, eu nenhum. Minha identidade parte israelense, a dela parte palestina. Mas como nos procurávamos! Como ansiávamos, as duas, por este encontro! Ela me mostrou um poema de Darwish, eu a apresentei para o coral de mulheres. Aconteceu assim, sem razão aparente, como se fosse o acaso. Mas imediatamente concordamos que a condição de mulheres nos aproximava, e queríamos ir além. Um grupo de diálogo. Só de mulheres. Conheço várias. Eu também. Vamos juntá-las. E se estudássemos os feminismos? Isso. Tenho vários textos, conheço várias ativistas. Já fiz uma lista de quem eu poderia convidar. Vamos, temos que fazer. Precisamos  pensar em um nome para que possa nascer.

 

Sobre relacionamentos e empatia, Por Nádia Nunes, #9

Entre esse mar de informações e lamentações de facebook, me deparei com uma maravilhosa: “Minha opção sexual: eu não escolho pessoas pelo sexo, nem para o sexo. Portanto, não há uma opção "sexual", mas sentimental e espiritual.O garimpo aí é mais forte.Não é questão de macho ou fêmea, mas de autoconhecimento e essência.” O que ilustra bem e introduz a ideia de que quero tratar. Guardem essa citação.

Raizel que escreve e produz essa NEWSLETTER maravilhosa me fez um convite. Escrever sobre relacionamentos. Maravilhoso, se não fosse o problema de que eu não sou das melhores escritoras, muito menos tenho vasto repertório sobre relacionamentos. Não, não sou sociopata. Aliás, acho que não. Afinal de que servem as certezas, se a cada ano minhas dúvidas aumentam e as certezas caem por terra? A questão é que minha bagagem é pequena em relação às relações afetivas, as quais chamamos namoro.

Mas tenho muitas amigas maravilhosas de credos e mundos distintos, das mais tradicionais às mais “contracultura”. Claro, baseando-se em uma cultura tradicional de uma sociedade classe-média paulistana e capitalista do século XXI, da qual obviamente faço parte. Confesso que às vezes até me soa estranho. Que cultura é essa? Essas mulheres sempre riquíssimas de experiências ímpares, sempre dispostas a dividir comigo. Me parecem o tempo inteiro mutantes nômades, pois fazem de moradia seus corações, que não pertencem a lugar nenhum e muito menos a alguém que não sejam elas mesmas. Sábias. Elas me ensinaram que quebrar a cara é mais importante do que viver sem se entregar, mas que desilusão é bicho criado. Que projetar externamente algo tão importante quanto a felicidade, que não tem nenhum outro lugar que não seja dentro de nós. Um desapego invejável, principalmente pra uma mulher que por 22 anos acreditou em príncipe encantado.

Essa mulher sou eu, me chamo Nádia, que em russo significa esperança. Fui criada ouvindo histórias da Disney. Sempre acreditei que existisse aquela pessoinha pra mim, que me completasse, que teríamos muitos filhos lindos e que seríamos felizes para sempre. Mesmo vendo muitos pais de amigos separarem, até os meus por um tempo (sim, meus pais separaram e decidiram voltar).  Mesmo com tudo isso, nunca perdi as esperanças.  Mas aos 17 anos quando eu achei que tivesse encontrado essa pessoinha, vivi um relacionamento muito intenso por 5 anos, que obviamente teve seu fim. Foi muito difícil pra mim, até por ter colocado essa ideia maluca de pessoa ideal etc... Por muito tempo me traumatizei por esse relacionamento e pelo fim dele também. Hoje eu vejo a lindeza de aprendizado que ele me trouxe. Ou pelo menos me fez parar de acreditar nesses contos de fadas, e ser um pouco menos idealista em relação aos relacionamentos todos. Claro, não posso negar meus anos de terapia, terapeutas e as amigas já citadas que me ajudaram muito nesse aprendizado.

Hoje vejo que, às vezes, colocamos a felicidade em uma pessoa, em uma profissão ou outras relações, e isso tira para sempre de nosso alcance algo que já está em nós. Considero essa lição a mais importante de todas e ela não é ensinada na escola. Aposto que se tivesse uma sociedade em que isso fosse algo claro e esclarecido, a empatia seria um sentimento real e básico e não utopia. A maioria dos nossos problemas de ordem social estaria solucionada, ou pelo menos problemas mais simples e objetivos. Uma sociedade corrupta não tem empatia, uma industria farmacêutica que vive da teoria de “criar problemas para vender soluções” passa bem longe do ideal de empatia.

Na minha opinião, projetar essa felicidade está diretamente ligada ao consumo, quando você esvazia o que está preenchido, vai viver recheando com coisas que nunca estiveram ali e que nunca vão ficar. Porque iremos sempre nos separar das pessoas pela vida ou pela morte, beleza e inteligência se desgastam com o tempo e objetos, quem ainda não aprendeu que eles se perdem, se quebram, enfim... Quando sentimos “felicidade”, ou experimentamos essa altivez podemos saber exatamente o que a fere e automaticamente saber quando estamos desrespeitando o outro, experienciamos a empatia.      

Jung já dizia, as relações verdadeiras atuam de forma positiva para nosso processo de individuação, ou seja, para nos tornarmos cada vez mais nós mesmos. Nesse sentido, vejo que evolução é quando deixamos de nos cobrar por padrões externos, seja ele estético ou um simples príncipe encantado, e nos tornamos nós mesmos. Percebemos aquele amor próprio que falei anteriormente. E essas relações são de todas as ordens. Foi o que percebi depois de muito tempo solteira, eu estava num relacionamento em que me distanciei tanto de mim, que quando acabou eu mesma não sabia quem eu era, do que gostava, isso tudo é se anular e vai na contra-mão do que é se relacionar. Mas meu relacionamento me fez crescer e aprender que não dá para ser do jeito que foi.

As relações são para além de suprir simples necessidades e isso vem também para nos mostrar que devemos ter empatia, respeito e não ter preconceito. Porque nossa opção não tem mesmo que ser sexual e nem para o sexo, como uma amiga disse na frase que iniciei o texto. Assim seríamos mais livres, menos frustrados.

Nossos parceiros evolutivos são as relações que construímos com família, amigos e todas as pessoas ao nosso redor e todos são nossos príncipes. Todos nos trarão algum tipo de aprendizado. Mas tudo isso para mim é novidade, chega até parecer utópico. É uma questão de se policiar, sempre ouvindo a nós mesmos. Tenho esperanças que minha evolução me trará uma nova forma de me relacionar. E também tenho reais esperanças que a sociedade há de caminhar para ter mais empatia. Por isso meu nome é Nádia!

 

 

Sobre dividir e multiplicar - minha experiência como sócia / namorada / parceira / mulher, Por Priscila Cortez, #8

Ser empreendedora e mulher já tem suas complicações, se você tiver apenas 20 e poucos anos fica ainda mais difícil, se você decidir chamar seu namorado pra ser seu sócio, aí o patriarcado fica louco.
Meu nome é Priscila, eu tenho 24 anos, fundei a Maria Tangerina há 2 anos e 7 meses e sou sócia do Thiago (que era namorado e agora é noivo ) há 1 ano e 5 meses.

O sonho da marca já existia desde 2010, quando entrei na faculdade de Design de Produto do Mackenzie, mas só se concretizou em 2013, graças ao incentivo dos amigos e principalmente do Thiago. Ele me ajudou desde o primeiro suspiro da marca, escolhendo tecidos, dando opinião, levando caixa nos correios, indo na 25 de março carregar sacola, enfim, ele sempre esteve do meu lado. Depois de um ano de marca e precisando cada vez mais de ajuda nós começamos a conversar sobre como ele poderia fazer parte disso de verdade. Algumas opções surgiram e muitos medos surgiram junto. Thiago nunca tinha trabalhado formalmente e ele definitivamente precisava começar o mais rápido possível, porque não comigo?
Comecei a pesquisar muito sobre o assunto “casais que trabalham juntos” e uma coisa estalou na minha cabeça, desde que o mundo é mundo casais trabalhavam juntos, mas o homem geralmente é quem está na posição de mais poder e a esposa entra como a ajuda, o que era o oposto do nosso caso. Na época (fim de 2014) a gente já planejava morar junto em breve e o medo de desgastar a nossa relação passando 24h juntos era grande.
Ok, respiramos fundo e resolvemos que qualquer que fosse o problema que a nossa sociedade gerasse nós resolveríamos.
Rolou um estranhamento no começo, afinal o homem da relação deveria prover a estabilidade do núcleo familiar, e Thiago nunca tinha trabalhado e nunca teve estabilidade financeira própria. Thiago não era exatamente o tipo de homem pra casar (rs olha os papéis se invertendo) não que isso fizesse alguma diferença pra mim. E agora além de estarmos indo morar junto também viramos sócios em uma empresa jovem, que nem bem podia prover segurança pra mim, agora tinha que garantir um futuro pra nós dois.
Apesar de todas as incertezas a gente sempre esteve confiante que ia dar tudo certo.

Com o tempo e o crescimento da marca ficamos mais confiantes de que fizemos a escolha correta. Continua sendo um desafio e um aprendizado diário pra mim dividir o trabalho com o Thiago, eu sou muito mandona e gosto que tudo seja feito do meu jeito, trabalhar com ele tem me ensinado a ser mais maleável. Abrir a criação das peças também foi complicado, eu fazia todo o processo dentro da minha cabeça e só tirava na hora de construir as peças com as costureiras, era um método burro que gastava muito tempo e material, mas era o jeito que eu fazia. Hoje eu tento desenhar a maioria das minhas ideias e mostro pra ele, aí ele dá as ideias dele e a gente vai juntando tudo. É um eterno processo de desconstrução do jeito que eu faço as coisas, porque nós somos dois, e nós dois temos ideias e somos pessoas criativas com soluções pra uma mesma marca, além de tudo ainda somos um casal que mora junto então quando as ideias não batem tem que falar com educação, explicar o ponto de vista, tudo sem atrito (claro que é muito fácil falar, esse ponto é constantemente trabalhado, como eu disse sou muito mandona) como teoricamente deveria ser em qualquer relação de trabalho ou pessoal.
Outro ponto legal que a gente descobriu trabalhando junto foi como usar a habilidades pessoais do Thiago e complementar as características um do outro, ele é muito observador, calmo, pensa bastante no que tem pra dizer, eu sou muito afobada e falo muito, então hoje nós fazemos todas as reuniões de trabalho juntos, eu falo falo falo e ele só observa, depois é ele que me diz o que achou da reunião, se o negócio vai ser bom pra marca ou não, se é furada, se falta esclarecer mais algum ponto... inclusive ele já nos tirou de algumas furadas (que eu quase meti a gente).
É complicado trabalhar junto, mas não é nenhum bicho de sete cabeças. Pra gente funciona a regra de conversar e tentar resolver as coisas que incomodam. Trabalho sempre envolve relação de poder, no nosso caso sou eu que estou no poder da empresa e tenho a palavra final e a gente está aprendendo a lidar com isso (eu no caso, não levar esse poder pra relação pessoal é difícil, mas é só se controlar e se lembrar sempre que ninguém manda em ninguém, nem na empresa nem no trabalho).
Sobre ficar junto 24h a gente resolveu fazendo coisas diferentes, nem sempre temos a mesma coisa pra fazer em um dia, e nós temos horários livres diferentes também. Eu acredito que em qualquer relacionamento é legal você ter coisas pra conversar sobre, e se você passa 24h com o outro sem fazer coisas diferentes você não vai ter nada pra conversar no fim do dia.

Continua sendo um desafio diário, nem sempre as coisas saem como o planejado, algumas pessoas continuam questionando sobre como nós fazemos as coisas no trabalho e na vida. Nós não somos pessoas padrão, não fazemos as coisas de uma maneira padrão. Aqui em casa tem vezes que o Thiago tá fazendo a faxina e eu tô furando a parede e o contrário também acontece, e não é pra mostrar como a gente é super descontruído, a gente só é assim mesmo e viver desse nosso jeitinho nos faz muito feliz.

 

Uma história de ascensão e decadência do cordão de segurança de Ilú Obá de Min, por Fabiana Oda, #7

17h59 da sexta feira de carnaval. Normalmente meu instinto primário seria ir para casa e ficar vendo Buffy a caça-vampiros, mas os 29 anos estava batendo na porta, me lembrando que, YOLO, you only live once.

Então vamos lá. Entrar em contato com seu eu verdadeiro, aquela mina festeira que curte uma bagunça (nunca será). Os planos? Ver as mina foda de Ilu Obá featuring a diva lacradora Elza Soares.

Saí do trabalho, corri para casa e baguncei uma maquiagi mara rapidinho, iria encontrar a miga party-monster no metro da República às 20h.

Chegando lá, nunca tinha visto tantas minas maravilhosas juntas, cachos no poo, tinturas, turbantes, todas empolgadíssimas e esperando os migue na mesma condição que eu: partir pra concentração de Ilú na Praça da República.

Encontrei a party-monster e outras migue lindcha e partimos para a concentração e, o que era um cenário de expectativas e empolgação se transformou…em algo diferente.

Corta para uma GALERA na praça, todo mundo entalado no rolê com umas brejas safadas na mão tentando não deixar a poeira baixar, chovenu pra caralio, mesmo.

Uma hora depois, o bloco começou a mover! Glorificando de pé, Brothers! Tentamos sair junto, mas tava foda, tava lotado, tava foda. Muita chuva, gente que não pede licença, te esbarrando. O espírito da tia velha estava baixando em mim, eu sabia. Tínhamos que agir.

Nos separamos da turma, ficamos eu, party-monster e uns queridos recém-conhecidos que acompanharam nossa aventura. Bolamos um plano, decidimos cortar pela 7 de abril e encontrar o bloco na frente. O PLANO SERIA SURPREENDER O BLOCO PELOS FLANCOS, HÁ!!

Tudo bem, muitas pessoas já tinham tido essa idéia. Devíamos ter cochichado, falamos alto demais, lembrou a party-monster. É verdade. Mas quem diria amigos, pudemos ver os orixás maravilhosos nas pernas-de-pau majestosas, Leticia Sabatella cantando Quando a cigarra cantou clareou e todas as mina foda da percussão arrasando. Estávamos enfim curtindo, até dançandinho!

Quando do nada, DO NADA, nos aliciaram para fazer parte do cordão de segurança humano que precisava abrir a rua para o bloco passar. Nós quatro nos incorporamos à esse coletivo de Ilú, prontos e empolgadíssimos para ajudar. Aparentemente tínhamos passado pelo chapéu seletor e entramos para Grifinória! Que coisa maravilhosa, né? Né?

Porém, tão perto e tão longe. Queríamos ver o bloco, as mina, os orixás, aquela energia que esmaga, aquela coisa. Mas tínhamos um trabalho a fazer e, como estávamos na parte da frente do cordão, tínhamos que seguir abrindo a rua, sem nunca poder nos encontrar com os orixás. Feitiço de Áquila feelings!

Mas somos humanos, impossível não ficar embasbacado com os orixás e o afoxé, então muito do cordão esquecia seu trabalho e parava para contemplar. Ahhh mas querido, por isso que o fiscal do cordão existia, para te lembrar que vc tinha que entregar seu job! O DEADLINE, O BUDGET, A RESPONSABILIDADE? Que?

Começamos a sentir o peso, a cobrança. Abre, pra direita, DIREITA! Com grandes poderes vem grandes responsabilidades, ficava falando a party-monster. Os fiscal nos lembrava disso, os colegue mais engajado e A BAILARINA também.

Pois é, dentro do auê todo, que até então era uma bagunça gostosa, surgiu essa figura quase arquétipa da bailarina. Uma humana magrela, de bailarina, que ficou engasgada com a famigerada síndrome de pequeno poder.

Bem, pelo que pude entender, ela não fazia parte da equipe oficial, ela era como muitos de nós, empolgados e dispostos a ajudar. Mas em algum lugar, em algum momento algo se rompeu nela e ela estufou o peito, forçou a garganta e começou a dar belos esporros, gritos e virando os olhos como mães que tentam ensinar seus pequenos como comer de garfo.

Depois de 4 meses de terapia já pude aprender os macetes para não entrar numa espiral de raivinha contra essa pessoa, consegui relevar e apreciar o movimento geral. Brigada Dr. Paula. Mas era uma coisa especial de se ver: PRA DIREITAAAAAA (era para esquerda que tínhamos que ir), AGORA ESQUERDA (de novo errado, era direita), PAROU, PAROU, PAROU (parou o que minha filha, o troço tem que continuar andando!). Enfim foi intenso.

Foi uma história da ascensão e decadência do cordão de segurança de Ilú Obá, porque depois da bailarina, enchemos o saco e fomos comer sanduiche de pernil no estadão.

OBS: Fabiana acordou 12h30 no dia seguinte, com dores nas costas, pés e batatas. Jurou que, agora em diante, só irá nas matinês de Ilú Obá, mais vazio, mais gostoso.

Party-monster acordou as 9h00 e às 10h mandou uma foto para mim, toda fantasiada de melindrosa me chamando para farra. Ela honra seu apelido.

 

 

Meeting Jenny, por Raizel e Thais, #6

Era uma quinta-feira de novembro, não nos víamos há um tempinho e combinamos de ir no SESC Pompeia. Não tínhamos muita ideia do que ia rolar, mas era show e vinho baratos, acabamos com uma história divertida.

Estávamos no Festival Dias Nórdicos (e coitados dos nórdicos no nosso calor). Chegando lá Raizel encontrou uma paquera de date nunca realizado do Tinder, aquelas que a gente para de falar e não lembra mais, mas a elas se reconheceram e resolveram se falar, e Thais encontrou um colega de faculdade, que perguntou se ela também curtia esses rolês escandinavos, ao que a resposta foi não. Eles deviam se falar menos do que Raizel e a TinderGirl. Meio que passamos o show todos juntos.

Vieram shows de MODDI (Noruega), HISSER (Finlândia), ALICE BOMAN (Suécia), e HEY ELBOW (Suécia). Os shows foram bem bacanas, ainda estávamos bebendo vinho, os artistas derretiam no palco, coitados. Estávamos com grandes expectativas para o show da Lydmor, uma dinamarquesa, pelo simples motivo que tínhamos visto uns clipes dela antes. Algumas caixas de vinho, calor e o fato de ela ser minimamente conhecida fez com que, entre um show e outro, além de discutirmos feminismo e brindar que “ser mina é da hora”, começamos a gritar “Lynda-Mor!”. O colega de faculdade de Thais perguntou se realmente a gente não era do rolê escandinavo. E a resposta, de verdade, era não.

Lydmor dança esquisito, usa roupas esquisitas e faz o show sozinha no palco, cercada de dois microfones, computador e teclado. Um pouco como uma cientista maluca no laboratório, mas às vezes ela saía de lá e interagia mais com a plateia. No final do show (ela tinha vários fãs ou todo mundo bebeu demais? Jamais saberemos), ela desceu do palco e cantou no meio das pessoas, foi aquela comoção comparável a um show do Bootsy Collins na mesma choperia, nos idos de 2013.

As músicas da Lydmor são pop com batidas eletro, ela tem clipes fofos e bem produzidos. Ela parece mais hippie ao vivo, ou talvez fosse o calor mesmo. Como estávamos embriagadas, sabemos que o show foi ótimo, mas não que músicas ela cantou. De qualquer jeito, o último disco dela é incrível. Tem Mrs. Me 2.0, So Cool e Seven and Four (soa familiar?), na qual ela fala de estar pensando num carinha depois de fumar sete cigarros e tomar quatro taças de vinho.

Acontece que shows no Sesc Pompeia acabam cedo, então ainda ficamos lá um tempo, com algumas outras pessoas, e acabamos falando com a Lydmor. Antes, assistimos à cena maravilhosa de um fã dela que tinha levado um presente. Quando ela abriu, era um tecido de mostruário. Só. Lydmor gente como a gente também agradece e sorri amarelo quando recebe presente estranho. Aí descobrimos que Lydmor tem 23 anos e chama Jenny. Simpática, divertida, xóvem, Jenny, cantora e compositora de “post-feminist-youth-solo-electronica-singer-songwriter-chill-out beat-music”, que tinha outras coisas pra fazer, outros fãs pra atender. Decidimos que éramos íntimas então teríamos que aposentar Lynda-mor e usar apenas Jenny. Ela foi falar com outras pessoas e nós também. Na verdade, passamos reto por um segurança que estava tranquilão e entramos no camarim. Nesse momento tivemos uma baixa no nosso grupo, TinderGirl foi pra casa dormir, enterrando o lance entre ela e Raizel. O amigo da faculdade da Thais liderou o caminho para o que pode ter de mais VIP em termos de Sesc Pompeia. Na verdade foi só subir as escadas e estávamos lá com nórdicos semi-derretidos e mais uma galera, que talvez tivessem a mesma cara de pau que a gente.

Não tinha muita bebida, só umas cervejas num cooler e uma Busca Vida, mas a grande estrela daquele camarim era um queijo brie enorme, quase intocado, acompanhado de geleia de pimenta. Nós três atacamos o queijo, enquanto conversámos e procurávamos o que mais dava para comer ali. Larica alcoólica né? Tivemos um ataque de riso talvez exagerado com as frutas embaladas individualmente, maças e bananas, e o amigo da faculdade levou umas para casa. Tinha chocolate Garoto também, mas o brie roubou nossa atenção totalmente, até que percebemos que 1. a cerveja tinha acabado e 2. todos os gringos tinham ido embora e éramos apenas brasileiros penetras naquele camarim. Descemos.

Falamos com um pessoal da Hey Elbow. Jenny estava em algum lugar fora de vista. Ela usava uma roupa que a Thais achou muito exótica e confusa, aí nesse momento ela percebeu que era só um vestido. Minutos depois, os seguranças botavam todos para fora e os nórdicos combinavam de ir para algum lugar. O amigo da faculdade foi com eles, mas a gente já dava sinal de cansaço. Voltamos pra casa com mais do que uma referência musical, com uma amiga. Ok nem tanto, só com uma artista que passamos a curtir, revelações que fizemos uma para a outra e a ressaquinha do dia seguinte.

 

 

Musicais, Por Raizel Rechtman, #4

É engraçado, mas consigo me identificar com a “bedroom culture” mesmo que tenha passado MUITO do meu tempo de infância sendo moleque e andando com os meninos do prédio. Talvez por eu ser a caçula da casa e ter um irmão e uma irmã mais velhos para me espelhar pude experimentar os dois lados da coisa. Ao mesmo tempo que eu adorava jogar bola, subir em árvores e fazer clubinhos com os meninos, lembro de admirar e, timidamente, tentar imitar o mundo mágico da adolescência feminina da minha irmã. E aí entram os musicais, mó coisa de menininha, uma experimentação própria de adolescência feminina vivenciada dentro de um quarto, como as agendas e posters dos Hanson eram para a minha irmã.

O primeiro musical que lembro ter assistido foi Grease, um clássico! O incrível é que eles falam sobre adolescência e os temas são corrida de carro, gravidez, largar os estudos, gangues e tal! Por outro lado, ele são sutis e reais, não tem extremismos de bom e mau. Este filme me marcou principalmente pela  questão dos personagens serem pessoas reais, uma mistura de bons e maus, na verdade ninguém é só bom ou mal no filme. O Dannny Zuko (John Travolta) que é líder da gangue (T-Birds) se apaixona por uma menina fofinha (Sandy) e, por mais que tente ficar com a pose de durão, não consegue por gostar dela e faz de tudo para conquistá-la. Depois teve um Grease 2, mas achei bem tosco, então não recomendo e o Grease 3, que na verdade foi chamado de High School Musical. Descobri a existência desse filme numa loja da Disney em Paris no mochilão que fiz na Europa e ele me marcou pois quando estava na Itália na casa da minha prima o filho dela gostava de almoçar assistindo o filme. Em High School Musical também tem um pouco a pegada de que nem os personagens maus são maus de verdade. E, no filme é mostrado o amor infantil, Troy e Gabriella (casalzinho principal) nem se beijam até o 3º filme, gente. É lindinho, dá pra acreditar na pureza das pessoas. 

Falando em amor, lembro de Moulin Rouge. É dofa, você passa o filme todo torcendo para o casal principal ficar junto e até esquece que no início já avisaram que ela morre no final, aí quando ela morre dói, porque você não lembrava mais. Com esse musical consegui reconhecer a dor do amor, El Tango de Roxanne representa bem isso. Além disso, tem a música “Elephant love melody” que é um diálogo cantado maravilhoso em que o poeta (Ewan McGregor) romântico tem com a prostituta (Nicole Kidman) desiludida com o amor.

 

E: Tudo que você precisa é de amor.

N: O amor é apenas um jogo.

 

E: Eu fui feito para amar você baby, você foi feita para me amar.

N: A única maneira de me amar baby, é pagar uma taxa.

 

E: Apenas uma noite, me dê apenas uma noite.

N: Não vai dar, você não pode pagar.

 

E: O amor nos eleva acima de onde nós pertencemos, onde as águias voam, acima de uma montanha alta.

N: O amor nos faz agir como tolos, jogamos nossas vidas fora apenas por um dia de felicidade.

 

E: Poderíamos ser heróis, apenas por um dia.

N: Você, você será mal

 

E: Não, Eu não serei

N: E eu, eu beberei o tempo todo.

 

E ainda no tema, não tem como ignorar O Fantasma da Ópera. Já havia assistido o filme antes, mas o que me marcou mesmo foi assistir à peça em Nova York, chorei. Esse musical mexe comigo. A história nos faz refletir sobre o amor ao colocar duas possibilidades vividas ao mesmo tempo pela personagem principal Christien Daae. De um lado o amor juvenil que tem com Raoul, uma paixão da época que eram crianças e que é retomado ao se reencontrarem adultos e, do outro, um amor desregulado que vive com o Fantasma, que a ama, e ela o ama também, mas como uma figura paternal e ele não entende. Aí no final tem o climax em que ela tem que fazer uma escolha entre os dois e é difícil e lindo e não quero dar spoiler, assistam! Eu sou team fantasma, apesar de ser meio incestuoso.

No clima de pé na porta, tem Chicago “and all that jazz”! Filme super girl power! Basicamente só tem personagens mulheres, tem as aproveitadoras, as injustiçadas, mas são todas mulheres fortes, decididas. Um musical que acompanha a história de mulheres na prisão, tipo uma prévia de Orange is the new black sem as negras, as crackudas e a lesbianice. Fica a dica para a música em que as mulheres contam sobre o motivo que estão presas, chama-se “cell block tango”! E meu queridinho Rent. Esse eu descobri numa locadora de salvador que ia fechar e estava vendendo os dvds super baratinhos. Muito massa porque é um filme em que a maioria dos personagens são gays, estão quebrados de grana e/ou tem aids. Ele mostra a realidade de uma juventude com sonhos despedaçados ao serem confrontados numa sociedade dura. O lema do filme que transformei em imã de geladeira é "No day but today" (nenhum dia, mas hoje), bem motivacional. E pra fechar: The Rock Horror Picture Show! Esse eu não consigo nem escrever a respeito, doidão, sensacional, músicas maravilhosas, quebra de paradigmas, só assistam, sério!

No clima dos musicais, vários seriados fizeram cenas baseadas neles ou cantadas (House, Grey’s Anatomy, Scrubs, Gossip Girl, etc.) até que criaram Glee. Um seriado em que do nada os adolescentes começam a cantar, amava! Era bobo, tinham músicas ruins, mas como seriado discutia preconceitos de um jeito completamente escancarando e até utilizando o deshumor.

Citei alguns musicais que tenho um carinho mais especial, mas são tantos outros FANTÁSTICOS (que valem muito a pena ver) como Hair – paz, amor e contestação, A noviça rebelde – clássico dos clássicos, My Fair Lady – com Audrey Hepburn (maravilhosa), O violinista no telhado – tradition!, Funny Girl - com Barbara Streisand (diva), Sweeney Todd - dirigido por Tim Burton e Into the woods – músicas maravilhosas e humor ácido. Além dos dois clássicos brasileiros que orgulhosamente possuo o disco de vinil com a trilha sonora: Os saltimbancos trapalhões e Os Trapalhões e o Mágico de Oróz.

Poderia ficar escrevendo esse texto sem fim, musicais são uma paixão que construí no meu quarto, tenho pôster, coleção de dvd e de vinil, encartes, etc. Mas devo terminar.

The End.

 

 

TPM, Por Thais Lancman, #2

Eu sempre tive muita TPM. E durante a adolescência, antes da pílula (eu sei, pílula é do mal, tô repensando, assunto pro futuro), hormônios malucos me faziam menstruar duas vezes por mês, ou seja, às vezes a vida era alternar entre TPM e menstruação. Veio a pílula, e a maldita nunca foi embora, apenas amenizou em alguns aspectos, em outros não.

Fazendo uma conta rápida, eu menstruo há uns dezoito anos. Umas 200 menstruações se passaram, arrendondando por causa do começo quando era tudo desregulado, vezes que emendei a pílula etc. O número é enorme de qualquer forma, e ainda assim, eu preciso passar algumas horas completamente surtada para me dar conta que estou de TPM. Eu me esqueço disso, por mais que a pílula me faça menstruar sempre às quartas-feiras, entre 10h e 13h.

Eu gostaria de ter histórias de TPM para contar mas, na maioria das vezes são cenas soltas de total descontrole. Eu andando pela Praça Roosevelt em círculos, eu me jogando de um lado para o outro na parede do corredor longuíssimo da casa dos meus pais, eu comprando coisas estúpidas tipo um blazer vermelho anos 80 com botões dourados e ombreiras. Tem eu sendo grossa com a minha mãe (desculpa, mãe!) ou, como ela diz, azeda. Tem chorar vendo Glee, vendo Desafio da Beleza e chorar deitada no chão da minha sala, no cantinho que pega sol entre as cortinas. Decisões ruins da vida cotidiana imperam a minha vida nesses dias: marcar uma manicure que trabalha devagar estando atrasada, sair para beber com gente que eu não conheço direito quando vou acordar cedo no dia seguinte. Dormir muito mal. Roer as unhas. Comer carne à noite sendo que me tira o sono.

Comida, comida talvez seja o assunto principal dos meus relatos de TPM.

Como o único dia da vida em que comi um McFish. Primeiro que eu trabalhava há meses do lado desse McDonald’s e nunca cogitei entrar (ah, como ela é fina. Não, eu comia uma esfiha horrorosa nível Habib’s ali do lado). Naquele dia eu perambulei pela pela Rua dos Pinheiros como de costume e eu sinceramente não sei como cheguei naquele Mc da esquina com a Henrique Schaumann. Quando dei por mim estava na fila do caixa, e era a minha vez. Me perguntaram o que eu queria e falei, sem titubear: Número 6 sem molho (porque mesmo no maior automatismo eu não como maionese nem que me paguem), e suco de uva para acompanhar.

Outra, mais recente. Eu lembrei do pão de queijo incrível que vende na pracinha do côco ali do lado do Sion. Decidi ir até lá mas, enquanto estava andando, veio na minha cabeça a recomendação de um sorvete ótimo escondido no Shopping Higienópolis (em frente à academia). Estava já na entrada quando vi, do outro lado da rua, a doceria que eu sempre ia quando era pequena. Corta a cena e já estou terminando o pavê e jurando para a atendente que voltaria lá no dia seguinte para comer o bolo de chocolate branco. Saindo de lá, avistei um vendedor de jabuticabas, e foi só quando eu lavei algumas para comer vendo TV é que lembrei por que tinha saído de casa naquela tarde.

Mas esses dois são causos atípicos. Normalmente a relação TPM-comida se resume na minha fome e em tentar entender do que eu tenho fome, comendo tudo que vier pela minha cabeça até eu chegar ao “ah, era isso” (spoiler: nunca chega). Consigo me ver na cozinha dos meus pais, abrindo armários e geladeira. Talvez eu quisesse um sanduíche, então eu fiz um sanduíche e comi. Talvez fosse Doritos, e lá se foi um pacote de salgadinho. Devia ser vontade de doce, então comi Bis, mas estava um pouco murcho então comi umas bolachas cobertas com chocolate. Já estava cheia quando pensei que podia ser só sede e não ingeria líquidos há horas. E também que não era nada disso, eu deveria ter sido menos preguiçosa e ter saído para comer hamburguer, afinal, infinitas horas atrás, quando acordei, tinha mesmo pensado nele.

É com a barriga cheia e ainda assim insatisfeita (uma amiga chama isso de Vontade de Comer Coisa que Não Existe) que eu me lembro que estou tomando comprimidos verdinhos em vez dos branquinhos dos 21 dias. Lembro que estou de TPM e penso em como meu dia teria sido mais fácil se eu tivesse me lembrado disso – e não do hambúrguer da Lanchonete da Cidade – quando eu saí da cama. Todo mês a mesma desgraça, ficar desbaratinada até me dar conta do motivo. Mas quando eu percebo o motivo, também não me culpo por tudo que eu comi: larica de TPM não engorda, ao ponto de eu fazer anotações mentais do que eu vou comer no próximo mês.
Minha última TPM foi já pensando nesse texto, o que me fez ficar alerta, fato inédito. O resultado foi que eu eu comi uma coxinha e um brownie, hipnotizada com o arroz e feijão da mesa ao lado e pensando seriamente em pedir um PF de sobremesa da sobremesa. Acabou que eu me diverti sozinha ali (depois veio a cólica mas who cares), e volto ao começo desse texto: se eu estiver atenta para quando a TPM chega, ela vai ser uma crônica meio estranha mas legal. E, se eu não perceber e for surpreendida de novo, ela vai ser só estranha, mas não de todo ruim porque nada pode ser tão trágico com fritura.

 

 

 

TPM, Por Raizel Rechtman, #2

Ao pensar sobre menstruação, a TPM nunca foi o que mais me incomodou, na verdade, a cólica sempre foi o problema. Mas isso pra mim, né? Não quer dizer que as pessoas ao meu redor não sentissem diferente (desculpa amigos). Não sei quando exatamente, mas em algum momento eu passei a refletir sobre minha TPM, passei a me perceber mais, entender as mudanças no meu humor e agir pra atenuar o reflexo disso nas outras pessoas. As alterações que identifico mais claramente são: fico mais irritadiça em alguns momentos, fico mais sensível e propensa a chorar, fico indecisa (coisa que não sou nem um pouco), sinto dores nos peitos e na lombar, quero comer tudo ou coisas bem específicas e, principalmente, passo a enxergar as coisas de uma maneira bem distorcida. Considero que esse último ponto é o mais interessante e, normalmente, é a partir dele que eu reconheço que estou de TPM.

Que loucura eu mudar tão significativamente em um período específico. Biologicamente isso é óbvio já que a concentração dos hormônios sexuais varia no decorrer do ciclo menstrual e as alterações de humor, características da TPM, são o reflexo fisiológico do corpo da mulher pelo aumento da progesterona e da testosterona. Porém, sentir isso a cada mês é uma experiência doida que, do ponto de vista científico, considero fascinante, ao mesmo tempo que, dentro do meu ser, muitas vezes acho bem difícil de lidar. Fascinante porque alterações hormonais têm uma influência incontrolável em minha forma de me relacionar com o mundo, desde a forma que me sinto, que entendo as coisas, que interpreto o que o outro fala e faz, até a maneira que interajo com tudo, o que faço em relação à mim mesma e aos outros. E, é difícil de lidar pelo mesmo motivo.

Mas tem uma parte da TPM que não se encaixa no fascinante e ela é a cólica, aquele desconforto no útero, como uma amiga gosta de descrever. Aí é tenso! Desde adolescente eu volto pra casa mais cedo do colégio por causa dessa dor e no trabalho não é diferente. Gente, não consigo pensar, produzir e/ou me relacionar com outras pessoas enquanto sinto uma dor forte. Nesse momento minha mente está focada em como fazer esse desconforto terrível passar. E ainda tem pessoas que dizem que é frescura.

Tenho certeza que cada mulher vivencia a TPM de uma maneira diferente, contei um pouco de como é pra mim. Da minha visão sobre tudo isso tiro duas conclusões: a) a TPM muda a jeito que nos relacionamos com nós mesmas e com os outros, nesse momento é importante refletir sobre como estamos nos sentindo (autoconhecimento é vida!) e como isso pode estar afetando os outros para criar estratégias de preservação e cuidado conosco e com os outros; b) não minimize ou ache que entende o que a mulher de TPM está sentindo, a empatia é essencial nesse momento delicado e menos é mais.

Devo admitir que escrevo agora sobre a TPM completamente imersa nela. Espero ter conseguido escrever de forma não distorcida apesar das minhas notórias alterações de interpretação do mundo e desconforto que sinto neste exato momento em meu útero.

bottom of page